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A pandemia de covid-19 e a cobertura securitária em apólices com previsão de cláusula de business interruption

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A pandemia de covid-19 afetou as mais diversas atividades econômicas ao redor do mundo, sendo necessário, em diversas localidades, o fechamento temporário de empresas. A interrupção, sem dúvida alguma, ocasionou uma perda de receitas e de lucros aos empresários, pois deixaram de exercer sua atividade econômica e auferir lucros durante todo o período em que foram obrigados a manter seus negócios fechados.

É notório que diversas modalidades de seguros foram, e continuarão sendo, afetadas pela pandemia do covid-19. Mas um ramo que tem gerado amplo debate no mercado de seguros é o de property, mais especificamente quanto à cobertura de lucros cessantes, também denominada como business interruption.

Em maio de 2020, o FCA (órgão regulador do mercado segurador no Reino Unido) divulgou um comunicado em que deixou implícito o entendimento preliminar de que a pandemia de covid-19, por si só, não poderia ensejar o acionamento de cobertura securitária na qual há exigência de lucro cessante decorrente de dano material: “As stated in our Dear CEO letter of 15 April, our view is that most SME insurance policies are focused on property damage (and only have basic cover for BI as a consequence of property damage) so, at least in the majority of cases, insurers are unlikely to be obliged to pay out in relation to the coronavirus pandemic.”

Em junho de 2020, o FCA ajuizou um test case para estabelecer um precedente com o intuito de determinar as hipóteses em que as apólices de seguro deveriam cobrir as perdas de interrupção de negócios decorrentes do contexto da pandemia covid-19. O órgão anunciou sua intenção de obter uma decisão judicial oportuna e transparente para resolver a incerteza contratual na cobertura de seguro de interrupção de negócios.

Finalmente, em julho de 2020, houve um julgamento da questão pelo Tribunal Superior inglês, que decidiu as questões com base em um conjunto de fatos acordados (que cobriam, entre outras coisas, a cronologia da pandemia e ações governamentais do Reino Unido relacionadas), bem como um conjunto de fatos presumidos (dados sobre como as empresas foram afetadas pelo covid-19, por exemplo).

O Tribunal agrupou as cláusulas das apólices apresentadas na inicial como parâmetro em três grandes categorias:
1- Apólices que previam a hipótese de doença;
2- Apólices com cláusulas híbridas que envolviam o risco composto por: (i) incapacidade de usar as instalações seguradas; (ii) restrições impostas por uma autoridade pública; e (iii) ocorrência de uma doença infecciosa ou contagiosa humana; e
3- Apólices com cláusula com previsão de limitação de acesso à sede do segurado, neste caso o risco seria composto pela: (i) prevenção ou impedimento de acesso ou uso das instalações; (ii) ocorrência de ação ou conselho de uma autoridade; e (iii) emergência com possibilidade de colocar vidas humanas em perigo.
Após o julgamento do Tribunal, o FCA emitiu orientação para as seguradoras afirmando que, após a resolução final do test case, as seguradoras devem lidar e avaliar todas as reivindicações e reclamações judiciais pendentes com base nos critérios balizadores criados pelo recente julgado.

Tradicionalmente, a cobertura de lucros cessantes no Brasil está vinculada à ocorrência de algum dano de ordem material à propriedade do segurado que enseje a interrupção de sua atividade empresarial. No entanto, mais recentemente, a Circular SUSEP 560/2017, dentro de uma perspectiva de liberdade de contratação, deixou de estabelecer como premissa a obrigação das seguradoras em seguir condições contratuais idênticas às editadas pelo órgão regulador e concedeu a oportunidade de uma redação própria em seus produtos.

Pela análise das normas brasileiras concernentes ao seguro de lucros cessantes, seria possível inferir que a pandemia decorrente da covid-19, a princípio, não teria qualquer influência no gatilho disparador desse tipo de cobertura, pois ausente a ocorrência de um dano material, salvo se houver uma contratação específica de Lucros Cessantes “puros”, o que não é uma prática no mercado nacional.

Entretanto, espera-se que ações judiciais sejam ajuizadas em solo nacional com a pretensão de obter a indenização baseada na interrupção das atividades econômicas ocasionadas pela pandemia atual, que precisam ser avaliadas de acordo com a apólice contratada.
Como regra geral, o conceito de dano material contido nas diversas condições gerais das apólices brasileiras determina que é necessário haver um dano (acidente) à propriedade do segurado, sendo fato raríssimo a contratação de Lucros Cessantes sem que haja uma relação de causa e consequência com um dano material.

Deste modo, nos parece que a cobertura securitária, nos casos acima expostos, em regra, não encontra previsão na maioria das apólices brasileiras, seja porque é algo novo e até então não era considerado como factível de ocorrer, seja porque as apólices seguiam um padrão pré-definido pela SUSEP. Pelo exposto, é necessário aguardar eventuais decisões judicias sobre o tema.